Como foi nos dias de Noé

Compartilhamos com vocês alguns trechos de uma meditação sobre o Evangelho deste 1º Domingo do Advento de 2019 (Ano C: Evangelho segundo São Mateus, 24, 37-44)


«O Filho do Homem virá na hora em que não pensais.»

Pode parecer paradoxal começar um novo ciclo litúrgico com estas palavras a propósito da vinda de Jesus cujo Advento, precisamente, não vai deixar de nos falar, de nos mobilizar! No Advento trata-se de preparar a vinda ao mundo, no dia de Natal, do nosso Salvador, o Filho de Deus, o Filho de Maria. A Encarnação é uma vinda; a Parusia (a vinda de Cristo em glória no fim dos tempos) é outra! E, na realidade, há muitas outras, outras vindas do Senhor na vida de cada um…

(…) Essa vinda é imprevisível e, por consequência, é necessário vigiar, exercitar a nossa vigilância! Se Jesus relaciona os dias do Natal com a vinda do Filho do Homem, é porque estes dias apresentam situações paralelas. No tempo de Noé, símbolo de um tempo turbulento em que a Humanidade andava à deriva, muitos poucos homens se preocupavam com Deus, com a sua relação com o Deus Criador. Seremos nós diferentes dos contemporâneos de Noé?

Tal como nos dias de Noé, não estaremos preocupados com as realidades quotidianas básicas : comer, beber, casar-se? O que, em si, é completamente legítimo: para perseverar em vida é realmente preciso tomar tudo isto em conta, não é? Mas qual é o problema que Jesus quer apontar?

O Evangelho não insiste sobre a extraordinária má conduta da geração de Noé (contrariamente ao que está dito em Gn 6); ele traz à luz ignorância das pessoas: eles nada perceberam, diz Jesus.

Esse é o problema: a ignorância ou a indiferença, o desinteresse para com a verdade profunda da condição humana, uma humanidade em perigo que Deus quer salvar.

Sim, o que era verdade na época de Noé e de Jesus, continua a sê-lo agora: Deus é ignorado ou incompreendido e, portanto, mal-amado! O lugar que Lhe damos é, ou ridiculamente pequeno, até ser totalmente inexistente, ou então, pior, temos d’Ele imagens falsas, pervertidas!

Quantas imagens falsas e distorcidas de Deus nós arrastamos todos, em qualquer lado, no fundo da nossa consciência, sem falar da parte inconsciente! O ateísmo moderno, a rejeição de Deus, muitas vezes refere-se a falsas imagens de Deus. Muita gente se diz ateia, rejeitando Deus, porque rejeita tal ou tal imagem de Deus.

Ainda não encontraram aquele que vem e que os vai surpreender! É uma rejeição, uma recusa de uma certa imagem de Deus e também da Igreja com quem, por vezes, O confundimos. O que está errado, porque jamais a Igreja se confundiu com Deus. Embora a Igreja seja o Corpo de Cristo, ela continua a ser também humana. Os seus membros pedem ao Espírito Santo que os guie, mas não estão livres de erros e de faltas…

(…) A presença de Deus no mundo é reconhecida por alguns e não por outros. No entanto, o Senhor vem e vem para todos. Ele Se faz presente a todos mas depende de cada um de nós o fazer-se presente a Ele e tornar efetivo esse encontro. Para haver um encontro são necessários dois, pelo menos! Homem ou mulher, ninguém escapa a isso e é no meio das ocupações da vida quotidiana – nos campos, ou o moinho, os exemplos remetem naturalmente para o mundo rural de Jesus – que se faz a escolha decisiva, um será tomado e outro será deixado. Quando deixamos de estar ignorantes sobre isto, conseguimos, de fato, escutar o apelo de Jesus à vigilância.

(…) Compreendamos o espírito da parábola do ladrão. Vigiar significa: estar lá para enfrentar os acontecimentos. É uma espera ativa e um empenhamento no caminho da vida, o caminho da salvação. Tudo o que acontece na vida e que contém uma ameaça ou um limite: a doença, a morte de um ser querido, o fracasso ou a angústia ou até, simplesmente, toda a atividade da vida quotidiana, são ocasiões para exercermos vigilância!

Estaremos nós vigilantes e numa atitude de oração ou estaremos antes como os contemporâneos de Noé e os nossos, preocupados unicamente com os interesses pessoais, de costas voltadas para os outros, escondendo de nós mesmos a verdade da nossa condição e do nosso destino?

Que este novo Advento que começa seja um tempo em que, segundo a palavra de Isaías, nos decidamos a caminhar à luz do Senhor!

Trechos do Retiro de Advento Online
da Ordem dos Carmelitas Descalços
(com pequenas edições para o português brasileiro)
Carmelo Teresiano de Portugal

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